A escravidão humana

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

A escravidão humana é um flagelo! Esculpida na história da humanidade a escravidão sempre foi o crime mais radical contra a humanidade. Ela mata a própria humanidade, a humanidade em todos nós, não apenas no escravizado.

Ao negar a condição humana do outro, que sempre será um fim em si mesmo, nega-se a condição humana universal. Ou a condição humana está em todos nós ou não estará em ninguém. É uma dialética da própria condição de ser.

Ser humano é uma condição que se constitui sobre direitos e deveres, até chegar a ser aquilo que somos, pessoas.

Uma pessoa é determinada por ser possuidora de vontade e liberdade. Pela vontade ela se move para ser sempre mais. Para ser colaborativa e cooperacionista através de sua intenção de deixar neste mundo um legado.

Pela liberdade, a pessoa define-se a si mesma e o mundo ao seu redor, construindo cultura, história, arte, filosofia e religião.

Ao avançar sobre outras pessoas, com interesses abomináveis de utilizar a sua personalidade em proveito próprio, o senhor de escravos destrói todo e qualquer tipo de vida que há no outro.

Ao mirar o lucro na supressão dos salários correspondentes ao trabalho do outro é ainda pior. O senhor de escravo se alvora sobre os demais, e sobre a humanidade inteira, para satisfazer o seu insaciável desejo de lucro. Desconsidera a personalidade do outro e a personalidade de Deus. O senhor de escravo é menos que um traste, é um sínico da condição humana que ele não reconhece em nenhum lugar, inclusive nele próprio.

Vemos voltar, com estupor, essa abominação, que hoje começa, mais uma vez, a mostrar o seu lado sombrio. Agora mesmo na produção moderna dos inúmeros empregados domésticos nas grandes cidades, aos terceirizados de empresas e fornituras de todo tipo. Na produção da seda, dos eletrônicos e do vinho, a abominação se mostra presente em nosso mundo. Ela aguarda nas sombras, esperando o momento oportuno para se revelar. Um mal contraditório. Silencioso e estridente ele se esconde por trás de boas intenções, aparente ignorância e cinismo, mas nunca está envergonhado.

A abominação da escravidão não se envergonha. Ela precisa ser envergonhada por aqueles que amam a liberdade e não a desconsidera como força sinistra deste mundo.

O lucro e a vida fácil são os seus pais; o coração turvo e o cinismo os seus filhos. A humanidade é desconstruída quando essa família maléfica se estabelece e encontra, entre humanos, apoio para crescer.

Surge, assim, a inumanidade. Pois não se pode chamar humano aquele que reduz a humanidade do outro.

Os inumanos cederam a tentação do mal e trocaram a sua liberdade, e a dos outros, pelo dinheiro e pelo respeito, que sendo incapazes de construir por si mesmos, o buscam por meios sórdidos.

Entretanto, o respeito que pensam ter alcançado jamais será autorrespeito. Pois, o autorrespeito (Self-respect), só surge quando o indivíduo reconhece, antes de tudo, a sua própria humanidade como fim em si mesma. Ao sacrificar a sua humanidade e a dos outros, o senhor de escravo aliena a sua própria vida. Senhor é um correlato que só sobrevive se se escravizar alguém; portanto, as suas vidas se entrelaçam, reduzindo o mundo à escuridão e frio. É o mais pobre de todos os mundos. Uma pobreza feia e carente, em cujas faltas se espelham o pior tipo de existência, uma existência abaixo da existência, uma quase não existência. Assim, como no sheol, é apenas sombra, um quase nada, uma ilusão de existência perniciosa e pobre, daquela pobreza que não possui nada de valor.

A escravidão, portanto, deve ser combatida, perseguida e eliminada da face da terra, sob pena de contaminar e extinguir a própria humanidade que há em todos nós.

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