O sacerdócio é serviço

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

Quando Isaias bradou, muitos séculos atrás, dizendo, “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu”; imediatamente ele completou esta sentença com as implicações prementes do dom recebido, “enviou-me para dar a boa nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão presos” (Is 61,1).

Muito tempo depois, nos dias do Senhor, ele confirmou essa mesma profecia. Lucas nos recorda em 4,18, que Jesus tomou o mesmo livro, o leu e disse: “hoje se cumpriu esta passagem da Escritura”.

A unção recebida que não se transforma em serviço nada produz. Infrutífera, tende a se liquefazer até se exaurir em nada. O Espírito que não opera se desproporciona com a própria razão de existir, pois se não transforma é estático, e estático é o outro nome para a morte.

É, portanto, razoável esperar que Jesus desejasse para os seus discípulos o mesmo que havia posto em prática em seus dias. A Igreja entendeu a coerência desta sensibilidade, e, no dia em que celebramos a Instituição da Eucaristia, nos propôs o Evangelho onde Jesus nos entrega a lição derradeira.

Ao lavar os pés dos seus, Jesus continua nos questionando se ainda há dúvidas sobre o valor do serviço (Jo 13,12). Ele pergunta se compreendemos o que acabara de fazer. E deixa como último mandamento que continuemos fazendo o mesmo.

Nasceu, daí, um sacerdócio cuja constância se delineia no serviço prestado a todos. A partir da própria Eucaristia, oferecida como alimento à multidão, o curvar-se diante da escuta e a busca pelos excluídos de todo modo é o testemunho premente de que, o Espírito que traz sobre si arde, e a unção recebida continua a correr até formar um mar.

A prática do serviço faz surgir o servo de Deus. Servo de Deus e da humanidade, inquebrantável diante das adversidades e da fama. A cruz não o faz escapar, e os brados de hosana não lhe demovem. Aprendendo, desde cedo, no serviço, que não há cruz definitiva e que a fama é uma companheira inconstante. Projeta-se para o outro lado. Um lado que não é lá nem cá, mas desponta de um véu rasgado que revela algo, até então, oculto entre o Céu e a terra.

O serviço prestado com solicitude supera o gesto do Cirineu, pois corre para sustentar a cruz de quem já está alquebrado por ela; o faz de maneira espontânea. Mais do que Cirineus, o sacerdote se configura com Cristo. O mesmo Cristo, que sem obrigação, gastou a sua vida para anunciar um ano de Graça aos pobres e infelizes; o mesmo Cristo que entrou em Jerusalém para morrer no lugar de pecadores; por fim, o mesmo Cristo, que sendo de natureza divina desvestiu-se de sua divindade para se encarnar.

O servir, portanto, é o que salva da tentação maligna de deixar tudo por Cristo, e depois recuperar ainda mais nesta vida. O tudo deixado deve ser deixado de fato, e não apenas temporariamente suspenso, até que se aproxime uma condição mais favorável.

É por isso que, no dia da Instituição da Eucaristia e do Sacerdócio, ouvimos o Evangelho onde Jesus lava os pés dos discípulos, e pergunta se entenderam de fato o que acabara de fazer. Isto é, se aprendemos a servir.

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