A causa dos pobres como profecia

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Dom Lindomar Rocha Mota

Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

Ao fim da vida João estava atormentado por uma questão: era Jesus o Messias ou ainda viria outro?

Em seu coração honesto, que não suportava dúvidas, mandou perguntar ao próprio se era Ele mesmo (Mt 11,3).

Jesus respondeu e nunca escondeu que era o Messias da profecia. Que era identificado, principalmente, com o Messias escatológico, e menos com os da antiga tradição apocalíptica, que por muito tempo aspiraram a vitória através da supressão do inimigo político e do outro.

Há um novo profeta no mundo. Sua missão é narrada em Isaias 61,1, quando diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Enviou-me para levar a boa nova aos pobres!”

Agora que João ouviu falar dos milagres de Jesus, quer saber se é ele mesmo. Quer saber qual é a proclamação feliz que os pobres esperam? A pobreza, como sabemos, esteve presente ao longo da história. Jesus mesmo chegou a dizer que pobres sempre teríamos entre nós! A questão então é saber que tipo de Boa Nova será anunciada a eles?

A reposta vem ao fim de uma explanação em que se acolhe os muitos últimos de nosso mundo. Os cegos veem de novo; os paralíticos andam; os surdos ouvem. Até aqueles que sofriam a dupla exclusão da lepra são curados. E ainda mais. Milagres extraordinários que fazem os próprios mortos ressuscitarem estão ocorrendo (Mt 11,5); como pode haver dúvidas sobre a verdade do Messias.

A estes eventos extraordinários, entretanto, ocorre algo de mais sublime ainda: “Os pobres são evangelizados”.

Jesus pede que não nos escandalizemos com esta novidade do Reino. Numa sociedade onde o leproso, o cego, o paralítico e os doentes, de todo tipo, eram vistos como pecadores, Jesus lhes restitui a saúde e escancara que os infortúnios da existência não são castigos de Deus, mas percalços de uma vida que cobra mais de uns que de outros.

O percalço do infortúnio superamos logo. Ele diz respeito a todos nós e a nossa precariedade. A do pobre, porém, continua, ainda, nos confins das consciências que precisam irromper as camadas do escondimento e do desprezo. Conservada nos recônditos da humanidade e do que é ser humano, a questão dos pobres guarda segredos sobre nós mesmos, talvez porque não possa ser creditada ao mero acaso e aos infortúnios. É uma questão que nos interroga sobre a Boa nova que devemos anunciar.

Fruição de movimentos contrários, a pobreza não é ocasionalidade de infortúnios, assim como não o é a violência ou as discriminações sociais e raciais. É ação deliberada de quem procura empurrar pra lá, pessoas, nações e continentes, num movimento de poucos ganhos e muitas perdas.

Aquele, portanto, que se encontra nesta situação, que só tem a Deus para recorrer, encontra nEle o seu apreço maior.

A sua causa torna-se a causa de todo discípulo do Senhor. Condoer-se de consciência e coração pelos últimos é profecia que salva.

É com a desconcertante simplicidade que o Senhor recomenda que preguemos aos pobres, que são eles mesmos os primeiros destinatários do Reino; e, que ninguém fique escandalizado com isso, sob pena de se escandalizar com o próprio Senhor (Mt 11,6).

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