Os relógios estão atrasados

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

No outono do mundo experimentamos a sensação de relógios atrasados. Um sentimento de que a história avançou em sua percepção de tempo, de religião, de fatos e de sociedade; um avanço que a nossa velocidade não consegue acompanhar adequadamente.

O resultado é um descompasso entre aquilo que a história nos dá e a nossa capacidade de receber e organizar tudo sistematicamente.

No outono do mundo surgem várias propostas para ajustar a sua distribuição. Entretanto, o material é novo e estamos tentando enquadrá-lo em moldes antigos, os que conhecemos até agora.

Dizemos que os relógios estão atrasados quando o tempo caminha a frente e os ponteiros pararam de acompanhar. Ao percebermos essa anomalia adiantamos abruptamente os marcadores, na tentativa de ajustar-nos ao tempo.

Por outro lado, quando o atraso é muito grande, tendemos a retroagir os ponteiros no tentame de alcançar o ajuste desejado.

As duas ações podem danificar o mecanismo. Contudo, o ato costumeiro de retroceder parece ser mais prejudicial, pois, embora o relógio seja circular, o tempo real é contínuo. Ele avança inexoravelmente e deixa para traz tudo que não corre com ele.

O avanço do tempo já é conhecido desde Jesus Cristo, que reprova aos fariseus e saduceus a incapacidade de não saberem lê-lo, embora reconheçam elementos sutis, como a mudança do vento ou a época das tormentas, mas não sabem discernir os sinais, os verdadeiros sinais do tempo (Mt 16,4).

Ajustar os ponteiros é uma necessidade e urgência. Temos que fazê-lo quase que constantemente. A todo instante operamos pequenos ajustes, como num texto que vai se moldando até se tornar melódico e palatável. Mas agora estamos nos contornos da história.

Nos contornos da história, o adiantamento do tempo costuma ser épico, imprevisível e não muito aprazível. Mas, como tudo já está posto, não se pode parar o seu progresso.

A sensação de que seja possível retroagir é insana. Ela só atrasa ainda mais o tempo, lançando para depois a imperiosa necessidade de correção. Aumentando, assim, a distância entre o que é e o que deveria ser.

Enquanto não conseguirmos adiantar os ponteiros, uma façanha equivalente à de reorganizar a nossa visão de mundo, da vida, do futuro, do céu e da terra [...], sem esperanças seguras de reconstrução, mas necessitadas de avançar, viveremos essa terrível sensação de que os relógios estão atrasados.

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