Jesus, o exegeta do Pai

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

Cristo é o único caminho para o Pai, pois a Deus ninguém jamais o viu, a não ser o Filho.

Essa verdade, cimentada nas raízes das Escrituras, materializou-se ao longo da história e se revelou plenamente há pouco mais de dois mil anos, quando o Senhor começou a andar por estas terras.

Caminhos e veredas foram abertos, mas como naquele tempo, ainda hoje, algumas não agradam ao frágil coração humano. Entretanto, não há outra possibilidade, se não a de colocar-se genuflexo diante do Filho e de tudo que Ele revelou. A alternativa a ela é que nos coloquemos, nós mesmos, como os exegetas do Pai; mas essa não parece ser uma escolha promissora.

É uma alternativa contestada pelo profeta Ezequiel quando branda: “Vós andais dizendo: A conduta do Senhor não é correta. Ouvi, vós da casa de Israel: É a minha conduta que não é correta, ou antes é a vossa conduta que não é correta?” (Ez 18,25).

A autoridade que se coloca acima da autoridade de Deus é porta aberta para o pecado, pois o pecado é ter as suas próprias prioridades, e não a Deus como primeiro. Da confissão à ação, entretanto, há um imenso espaço a ser preenchido, e é esse vácuo que pode levar para longe da verdade e do bem.

Jesus, o exegeta do Pai, descreve essa dificuldade na parábola dos dois filhos. Daquele que disse que ia, mas não foi; e daquele que disse que não ia, mas foi (Mt 21,28-30).

O contexto simbólico do dito de Jesus é imediatamente e corretamente interpretado, pois todos sabem quem cumpriu a vontade do Pai, aquele que disse que não ia, mas foi. Entretanto, a continuação do Evangelho nos coloca a todos em alerta, pois a parábola parece ser ilustrativa para algo de muito mais sério e arriscado para a vida. Continua Jesus: “Em verdade vos digo, que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus”. O que nos passa despercebido então? Onde começamos a correr o risco de ficar fora do Reino ou de ser ultrapassados por outros?

A Graça radical de Deus para com o mundo é o que parece ser contestada na narrativa dos fariseus, e também na compreensão difusa, que coloca muitos exegetas não debruçados sobre o peito do Filho. E se o conhecimento que temos de Deus não vem do Filho, vem de outro lugar.

Jesus narra e explica o Pai porque estava em seu seio, participa de sua intimidade. É ela que lhe dá autoridade para ser o intérprete legítimo [Πατρὸςἐκεῖνος ἐξηγήσατο] (Jo 1,18).

O que desconcerta a alquebrada condição humana não é a capacidade de Deus em punir, mas a de perdoar. O escândalo é quando Jesus mostra que a misericórdia e o perdão são maiores do que as nossas expectativas. Por isso, pede que não nos escandalizemos com Ele. Por outro lado, só se chega à estatura da misericórdia proposta pelo Evangelho quando nos reclinamos sobre o peito de Jesus (Jo 13,25).

O discípulo é quem reclina a cabeça no peito de Jesus. Assim, no Filho nos tornamos filhos e exegetas de Deus. Sem essa familiaridade, dada primeiramente aos apóstolos e aos seus sucessores, surgirão muitos exegetas de si mesmos, cuja autoridade, ainda que ampliada, será desenraizada da verdade e dos mistérios revelados nos Evangelhos. Não surtirá efeito duradouro, pois não resistirão ao escândalo da graça e da misericórdia.

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