Graça e discipulado

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

Muito tem se falado daquela graça barata, que parece preencher muitas vertentes do cristianismo contemporâneo. Uma espécie de filiação pentecostal que credita a salvação a um ato declaratório, eximindo o crente das responsabilidades da vida. Um grito de separação entre fé e vida, onde já não se tem mais o referencial daquele que nos ofertou a Graça.

A graça barata é aquela que já não pede mais nada do cristão.  Se a Graça recebida não levar ao discipulado é Graça barateada que segue um caminho falido, como nos alerta Dietrich Bonhoeffer, em seu livro, Discipulado.

A Graça chancelada nos limiares do Evangelho é conquistada com o esforço extremo daquele que nos resgatou. Na doação completa de sua vida, Jesus não nos autorizou a vivermos devaneios psicológicos de uma justificação irresponsável, onde se acredita estar plenamente liberado à vida sem compromisso. Por isso mesmo, é aterrorizante a multiplicação de cristianismos surgentes, no qual essa “graça” já autorizou até mesmo a ruptura com Cristo.

A volta à concretude da vida evangélica, recomenda uma compreensão completa da Graça recebida para viver o discipulado.

Não se recebe a Graça para viver em devaneio. Isto seria, nas palavras de Bonhoeffer: “a afronta mais diabólica contra a graça”. Isto é, não se comprometer e até pecar contando com a Graça recebida de Deus; e, continua ele: “o Catecismo Católico não estaria correto ao reconhecer aí o pecado contra o Espírito Santo”?

Devemos dizer que sim. Uma graça recebida que autoriza o afastamento de sua fonte e de sua finalidade, se usada para justificar os descaminhos e supressão do discipulado é realmente o pecado contra o Espírito Santo.

Reconstituir o caminho do discipulado, portanto, é urgente para superar a teologia da graça barata, e reaprumar o objetivo para a Graça que Cristo nos conquistou.

Não temos outro referencial, se não aquele concreto modo de vida que Jesus nos deu no limiar de sua própria vida, e que serviu de alavanca para os primeiros cristãos.

Os primeiros discípulos são abundantes. Os Evangelhos e o Novo Testamento os apresentam por toda a parte. Inúmeras as figuras que remetem à Graça que Cristo conquistou com a própria vida.

Tomando Paulo como exemplo, é possível ver o homem perdido diante da lei, que foi salvo pela Graça. O seu encontro com Cristo, que estendeu os braços muito além daqueles doze que conhecemos, alinhou o objetivo de Paulo com o seu próprio objetivo. Por isso mesmo, o seu destino se assemelhou ao de Jesus.

Também o olhar de Pedro e João, ao assumirem plenamente o discipulado, entrando no templo se preocuparam, primordialmente, com o irmão que jazia jogado no chão, a causa da enfermidade (At 3,6).

Nenhum dos discípulos ficou estagnado naquilo que era. A Graça não produz resultados, ela gera atividade. Faz com que aquele a recebeu se aplique na seara do Reino.

A justificação como decreto, que imobiliza o cristão na comunidade, no grupo e na vida, é graça barata que não se sustenta diante de Deus. Seria semelhante a passar a vida gritando "Senhor, Senhor" e esperar entrar no Reino dos Céus.

A Graça que Cristo nos conquistou, como fez com Pedro, Paulo e demais cristãos da primeira hora, faz com que todo aquele que a recebeu se torne um Discípulo. Sem um discipulado temos uma graça barata ou barateada, que, em seu limite, conduz ao pecado e a morte.

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