A noiva do Cântico e Maria Madalena

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

Na noite silenciosa da alma, quando o mundo dorme e os céus se cerram em silêncio, ela se levanta.

“Em meu leito, durante a noite, busquei aquele que ama o meu coração. Busquei-o, mas não o encontrei.”

O jardim ainda estava envolto em sombras. Era o primeiro dia da semana, e tudo parecia recomeçar, mas ainda sem luz. A pedra fora removida, mas o corpo não estava mais lá. A ausência cortava como lâmina. O silêncio gritava. O túmulo vazio não era resposta: era pergunta.

“Levantar-me-ei, e percorrerei a cidade. Pelas ruas e pelas praças, buscarei aquele que ama o meu coração”.

E ela foi. Correndo, buscando, como mulher ferida de amor. Não com ilusões, mas com lágrimas. Não com argumentos, mas com fidelidade. Como a amada do Cântico, que nada explica, mas tudo sente. Ela se move com a força de quem perdeu tudo, exceto a esperança. Porque quem ama, busca.

“Encontraram-me os guardas que rondam a cidade. ‘Vistes aquele que ama o meu coração?’”

Aos guardas, aos discípulos, aos anjos — ela pergunta. Mas nenhum responde com a voz que ela anseia. Nenhum tem o nome. Nenhum a toca no mais profundo. Ela chora, mas as lágrimas não a impedem de continuar.

“Mal os havia deixado, encontrei aquele que ama o meu coração. Agarrei-o, e não o deixei mais.”

No jardim, Ele aparece. Mas ela não O reconhece. Pensa tratar-se de um jardineiro, e no fundo, não se engana: é o Jardineiro da nova criação, o Segundo Adão, que transforma sepulcro em sementeira.

E então, Ele diz uma única palavra: Maria.

Nada mais foi necessário. Porque somente quem conhece chama pelo nome. E somente o verdadeiro Amado chama com ternura, com autoridade, com eternidade.

Ela responde: “Rabunni!”.

Não é o reconhecimento de um título. É a alma que se ajoelha. É o coração que se dobra. É o mundo que se reconstrói a partir daquele instante.

Na esposa do Cântico, vemos o anseio. Em Maria Madalena, vemos o cumprimento. A esposa busca entre sombras, Maria busca entre anjos. A esposa encontra pelas praças, Maria encontra no jardim. A esposa segura o Amado, Maria é enviada por Ele.

Maria Madalena não apenas encontra o Senhor, ela é enviada por Ele. E o amor que em Cânticos permanece no quarto, agora se torna missão no mundo. O noivado da antiga aliança se consuma na Aliança Nova, onde a mulher é voz da Páscoa, evangelho para os apóstolos, primeira anunciadora da Ressurreição.

No Cântico, a amada diz: “agarrei-o, e não o deixei mais.”

No jardim, Jesus lhe diz: “não me retenhas”. Porque o amor já não é posse, é anúncio. Não é mais segredo, é missão.

E é por isso que Maria Madalena, unindo em si o desejo da discípula e o envio do Ressuscitado, é maior que a mulher do Cântico. Pois se aquela procurou no escuro o amor de sua juventude, Maria encontrou no escuro da morte o Amor eterno na Ressurreição. E foi por Ele conhecida, chamada, enviada.

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