Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
O sacerdócio que Cristo inaugurou, e que celebramos hoje, é absolutamente novo. Ele rompeu com a lógica ritual do Antigo Testamento e com o modelo sacerdotal centrado no poder cultual, na distinção hierárquica e na repetição infindável de sacrifícios. Não desprezou a herança religiosa de Israel, mas a levou à plenitude. Jesus não se apresentou como mais um entre os sacerdotes da linhagem de Aarão, mas como Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec. Um sacerdócio que não se apoia na herança carnal, mas na fidelidade ao Pai e na entrega generosa da vida.
Na Última Ceia, Ele não ungiu com óleo, mas com sua própria carne e sangue, instituindo um sacerdócio de comunhão, não de privilégio; de serviço, não de prestígio. “Chamados para servir” é o selo do novo ministério. Aquele que lavou os pés dos discípulos, enquanto os sacerdotes do Templo lavavam as mãos antes de oferecer sacrifícios, fundou um sacerdócio no chão da vida, próximo, vulnerável, humano. O gesto de Jesus inverte a tradição, pois não é o povo que serve ao sacerdote no Templo, mas o sacerdote que se curva para servir o povo de Deus no mundo, com ternura e compaixão.
A estrutura antiga havia se endurecido e transmutada em purificações e distinções ritualistas. Jesus, ao contrário, fez do serviço o critério do Reino. No novo sacerdócio, não há lugar para a sede de domínio, nem para a centralidade do eu. “Entre vós, não seja assim; quem quiser ser o maior, no meio de vós, seja o servo de todos” (Mt 20,26). Ele ensina que o altar é o coração, e o verdadeiro culto é amar.
Por isso, o ministério sacerdotal cristão não pode ser confundido com uma profissão comum. Não é carreira, não é ofício regulado por normas externas, não é instrumento de promoção pessoal. É vocação que consome, que exige totalidade, que realiza na medida em que se doa. Nele, o centro não está na função, mas na configuração a Cristo Servo. E aqui está o paradoxo sublime: o serviço que o mundo considera cansativo, no sacerdócio de Cristo é fonte de cura. A entrega não deve adoecer, nem a fidelidade esgotar, mas, juntas, devem santificar e plenificar.
Quem vive sua vocação como serviço se torna saudável no corpo, emocionalmente e espiritualmente. Uma inteireza que nasce da resposta dada com liberdade.
A doença surge quando se perde o centro, quando se transforma o serviço em poder, a compaixão em vaidade, a missão em ambição. Mas, quando permanece fiel ao espírito do Evangelho, o sacerdote não se corrompe, não se cansa em vão, pois o fogo que o queima é o mesmo que o ilumina.
E é aqui que se revela a distinção decisiva entre o bom pastor e o mau pastor. Jesus mesmo a traçou com clareza. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas; o mau pastor, o mercenário, abandona o rebanho quando vê o lobo chegar (Jo 10,11-13). O bom pastor conhece suas ovelhas pelo nome, caminha com elas, sofre com elas, alegra-se com elas. Não se serve das ovelhas, serve-as. Já o mau pastor não pastoreia, explora; não orienta, manipula; não carrega nos ombros a ovelha ferida, mas a despreza.
A fidelidade ao sacerdócio novo de Cristo exige, portanto, a contínua conversão do coração, para que cada sacerdote seja, de fato, bom pastor. Chamados para servir é o juízo permanente sobre a nossa vocação. O que nos mede não é o número de seguidores, nem os aplausos ou reconhecimento humano, mas a capacidade de morrer diariamente pelo rebanho confiado. Esse é o critério de autenticidade do ministério. Ser chamado é graça; servir é resposta. E a resposta que vale é aquela que se escreve com a própria vida.