A ilusão do acúmulo

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1,2)! Estas palavras, repetidas pelo Qohelet, soam como uma denúncia universal de que o esforço humano encerrado em si mesmo é, no fim, um sopro vazio. O autor de Eclesiastes, com um olhar existencialista, constata a angústia de quem trabalha, planeja, acumula e morre. O texto de Ecl 2,21-23 aprofunda esse desconcerto ao dizer que, “quem trabalha com sabedoria, competência e diligência, deverá entregar a sua parte a outro que em nada colaborou”. A injustiça, portanto, não está em deixar para os outros o que se fez, mas em colocar a confiança última em obras finitas. O que se colhe, afinal, senão fadiga, preocupação e insônia?

É nesse espírito que o Evangelho de Lucas 12,13-21 deve ser lido. Jesus, interpelado por um homem que deseja resolver uma questão de herança, recusa-se a ser juiz de disputas materiais. Em vez disso, conta a parábola de um rico cuja terra produziu tanto que ele decidiu construir celeiros maiores, viver folgadamente e dizer a si mesmo: “Tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, goza a vida!” Deus porém lhe disse: “Insensato! Ainda nesta noite tua vida te será exigida. E o que acumulaste, para quem será?” (Lc 12,20). A pergunta final de Deus ecoa Eclesiastes: para quem será?

A convergência entre os dois textos está na crítica da falsa segurança proporcionada pela riqueza, pelo trabalho autossuficiente e pela lógica da posse. Em ambos, há uma denúncia da idolatria da acumulação: a crença de que o sentido da vida está no “ter” e no “produzir”. Tanto a sabedoria do Antigo Testamento quanto o Cristo, Senhor, desafiam a lógica dominante da produtividade e da propriedade, que ainda hoje governa as estruturas econômicas e existenciais do nosso mundo. Somos treinados para investir, garantir, acumular, mas quase nunca para viver a gratuidade do presente.

A trama dos dois textos gira em torno da busca humana por controle e segurança, especialmente por meio da posse de bens, e colocam um espelho diante do ser humano, onde resplandece que o controle é uma ilusão, a morte é certa, e a herança pode ir parar nas mãos de quem não trabalhou — ou, como diz Jesus, pode ser perdida no instante em que se tenta usufruí-la. Em linguagem dos nossos dias, trata-se de uma crítica ao capitalismo emocional: onde o eu se consome na ansiedade de garantir o que não pode possuir pela eternidade.

Jesus denuncia essa pretensão ao dizer: “Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de Deus” (Lc 12,21). A alternativa à vaidade é a relação, a comunhão, o desapego que permite ser verdadeiramente livre. O Reino de Deus não é acúmulo, mas partilha. Não é segurança garantida, mas confiança no Pai. A riqueza, então, não está em quantos celeiros tenho, mas em quanta vida sou capaz de doar. O Evangelho rompe com a lógica da escassez e nos insere na lógica da abundância da graça.Hoje, quando o mundo vive sob o domínio da produtividade, do consumo e da acumulação desmedida, esta Palavra é uma alerta e um convite à liberdade. O ser humano contemporâneo se vê refletido no rico insensato, cercado de tecnologia, garantias financeiras, projeções de futuro, mas sem saber se viverá o dia seguinte. É preciso, portanto, recuperar a sabedoria do Qohelet e a profecia de Jesus: tudo é vaidade se não estiver fundado no amor que transcende o tempo e resiste à morte.

O Evangelho não nos convida ao desprezo do trabalho, mas à sabedoria da fé. Trabalhar, sim, mas com o coração livre, desapegado, orientado ao outro. Orientado ao Reino de Deus, que é presença e não posse. O que permanece é o que se doa. O que salva é o que se partilha. Só quem se desapega da vaidade se torna rico diante de Deus.

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