São Luiz Gonzaga
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Luiz (ou Aloísio como é chamado também), logo que os olhos se lhe abriram à luz do mundo, veio a ser filho de Deus e de Maria Santíssima. Acompanharam-lhe o nascimento circunstâncias tais, que mãe e filho se achavam em perigo de vida, razão porque recebeu imediatamente o santo batismo, fazendo sua mãe um voto à Mãe de Deus, consagrando-lhe o fruto das suas entranhas.
Logo que o menino começou a balbuciar as primeiras palavras, notou-se-lhe uma simpatia extraordinária a tudo que era de Deus. Cinco anos tinha apenas, e não raras vezes era encontrado num ou noutro cantinho da casa, fazendo devotamente as orações. Muito criança ainda, por ocasião de uma parada militar, que se ia realizar em Casale, foi com o pai assistir àquele espetáculo. Essas evoluções foram acompanhadas pelo pequeno Luiz com um interesse tal, que, sem que alguém o tivesse percebido, carregou uma peça de artilharia e deitou-lhe fogo.
Pouco faltou que pagasse com a vida a imprudência, pois a carreta recuando com a descarga, só por milagre não o apanhou nas rodas. Estando muito tempo com os soldados, era inevitável os ouvisse pronunciar palavras pouco decentes, que, na sua inexperiência, começou a repetir sem lhe saber a significação. Essas duas faltas Luiz as chorou toda a vida, como se fossem gravíssimos pecados.
Na idade de sete anos, começou Luiz a perder o gosto pelas coisas deste mundo e a dedicar-se ao serviço de Deus. Este sétimo ano era por ele mesmo chamado o ano de sua conversão, o ponto de partida para uma vida mais perfeita. Desde aquela época, cumprindo o propósito feito, rezava diariamente, de joelhos, o ofício de Nossa Senhora e os sete salmos penitenciais, devoção esta que nunca mais abandonou, praticando-a até nos últimos dias da doença.
Tendo Luiz oito anos, quis o pai, que em companhia do irmão menor, fosse para a corte do duque de Toscana, em Florença. A vida edificante, a prática das virtudes, importou-lhe o apelido de Anjo. Foi em Florença que Luiz fez a primeira confissão, e fê-la com tanta dor de arrependimento, que caiu sem sentidos aos pés do confessor. Em novembro de 1579, partiu para Mantua e de lá para Castiglione.
São Carlos Borromeu, Arcebispo de Milão, numa das visitas pastorais passando por Castiglione, conheceu o santo menino. Descobrindo-lhe uma compreensão rara das coisas divinas e uma perfeição pouco comum, preparou-o para a primeira Comunhão, que recebeu com uma devoção comovedora. Desde então se podia notar em Luiz uma devoção terníssima ao Santíssimo Sacramento. Recebendo a Santa Comunhão aos domingos, dedicava três dias para preparar-se e outros três dias para fazer a ação de graças.
Em 1580, foi com a mãe e o irmão menor, Rodolfo, a Monteferrato, onde se achava D. Fernando. No caminho havia de passar pelo rio Ticino, cujas águas, pelas chuvas contínuas, tinham crescido extraordinariamente. O carro em que iam Luiz e o irmão, tendo chegado ao meio da torrente, quebrou-se em duas partes. A parte da frente pode, como Rodolfo atravessar o rio, enquanto a outra, em que ia Luiz, foi levada pela correnteza rio abaixo. Em tão iminente perigo, se manifestou a intervenção da Divina Providência. O carro, esbarrando com o tronco de uma árvore, parou, podendo o náufrago assim ser socorrido e salvo.
Com o contacto que Luiz teve com os padres Barnabitas, despertou-se-lhe cada vez mais o desejo de pertencer a Deus e desapegar-se por completo das coisas do mundo. Debalde o marquês procurava distraí-lo com passatempos. Luiz não só não se deixou afastar das práticas religiosas, mas ainda as multiplicou, retirando-se quase por completo da sociedade, dos divertimentos e prazeres. Foi também nessa ocasião que tomou a resolução de entrar para uma Ordem religiosa. Tendo, porém, apenas treze anos, guardou o maior silêncio sobre esse ponto.
De volta para Castiglione, foi Luiz novamente salvo de um grande perigo, de perder a vida, desta vez em um incêndio, que houve no quarto. Numa noite, sentindo-se bastante cansado, fora deitar-se, quando se lembrou de que ainda não tinha rezado os salmos penitenciais. Pôs-se a rezá-los, mas, vencido pelo sono, deixou de apagar a vela, que se lhe achava à cabeceira. Por uma eventualidade qualquer, pegou ela fogo à cama. Estavam em chamas o cortinado e o colchão, quando Luiz despertou. Aos seus gritos acudiram os empregados, livrando-o do perigo em que se achava.
No ano de 1581, por um desejo particular da imperatriz Maria da Áustria, esposa de Felipe II, a família Gonzaga transferiu-se para Madrid. O marquês tomou o encargo de camareiro e os filhos Luiz e Rodolfo foram nomeados pajens de honra do príncipe D. Diogo, filho de Filipe II. Nos dois anos que ali estiveram, Luiz continuou os estudos de Matemática, Filosofia e Teologia natural, adiantando-se bastante nestas matérias. Mais dificuldades achou em continuar as práticas da vida espiritual.
Dias haviam, em que não achava tempo de rezar as orações costumadas e fazer as visitas ao Santíssimo Sacramento. Apesar disso, o santo jovem conservou sempre a mais perfeita modéstia. Parecia ter feito um pacto com os olhos, para não se fixarem em coisa alguma que pudesse comprometer a santa virtude da pureza. Todo o tempo que viveu na corte de Madrid, conservou-os tão mortificados que, sem exagero algum, podia dizer-se que não conhecia a rainha dentre as outras senhoras.
Foram de grande importância para Luiz os dois anos que passou na Espanha, porque ali se lhe decidiu a grande questão da vocação. Embora já tivesse resolvido entrar para uma Ordem religiosa, pairavam dúvidas sobre a escolha que devia fazer. Para obter o conhecimento da vontade de Deus nesse particular, mais que nunca se dedicou à oração. Depois de ter comparado as diversas Ordens religiosas entre si, Luiz escolheu a Companhia de Jesus, como a que mais parecia estar de acordo com suas qualidades físicas e intelectuais. Um dia – era o da festa da Assunção de Nossa Senhora – quando se estava preparando para receber a Santa Comunhão, ouviu uma voz interior, que lhe dizia: “Deves entrar na Companhia de Jesus: comunica logo minha vontade ao teu confessor”.
Obediente a essa ordem, Luiz referiu ao confessor o que se tinha passado, e fez também sua mãe conhecedora do segredo. Esta experimentou grande satisfação, ao saber da resolução do filho; não assim D. Fernando Gonzaga. Este, ciente do plano de Luiz, tão fora de si ficou, que num ímpeto de cólera, rompeu em palavras ásperas e duras, ameaçando-o até com medidas de excessivo rigor.
Em 1584 a família Gonzaga voltou para a Itália. O marquês lançou mão de todos os meios, para fazer o filho desistir da resolução de entrar numa Congregação religiosa. Para Luiz foram anos de amargura e de sofrimento horrível. Quanto maiores pareciam as dificuldades, que se lhe levantavam, contra a realização do seu plano, com tanto mais fervor se dedicava à oração e às costumeiras penitências. O pai, vendo que nada alcançava com meios persuasivos, recorreu a medidas de rigor, chegando a expulsar o filho da casa. Não faltaram pessoas que, interessando-se pela causa de Luiz, falaram a D. Fernando em seu favor.
Este só se deixou convencer da vocação do filho, quando, após uma cena violenta, foi testemunha ocular de uma das penitências, a que o filho costumava sujeitar o inocente corpo. Perturbado, comovido e arrependido da excessiva severidade, resolveu afinal conceder-lhe o consentimento.
Antes, porém, de Luiz tomar o hábito de religioso, quis a vontade do pai fosse a Milão tratar de negócios importantes. Nove meses durou-lhe a estadia naquela cidade. Durante esse tempo todo, Luiz não perdeu ocasião de calcar aos pés as vaidades do mundo. Sendo obrigado muitas vezes a acompanhar os nobres fidalgos, nas festas e diversões, sempre o fez de modo a tirar proveito para a alma. Todo o tempo que lhe ficava à disposição, dedicava-o só às praticas da piedade, e ao estudo de Física e Matemática no Colégio Brera, dos da Companhia.
Luiz julgava chegado o momento da renúncia oficial a todos os direitos, para entrar na Companhia de Jesus, quando, de surpresa, chegou a Milão D. Fernando, fazendo-lhe novamente oposição. Desta vez não foram ameaças e imprecações as armas, de que o marquês se serviu. Deixou falar ao coração paterno, que, na sua amargura e nos sentimentos de pai cristão, apelava para o coração do filho. Luiz ficou firme, mas teve de permitir que um sacerdote da Companhia de Jesus, durante uma hora, estando o pai presente, o examinasse sobre a vocação. Embora o resultado desse exame fosse favorável ao santo jovem, D. Fernando ainda não se animou a dar-lhe consentimento, Luiz, entretanto, aumentando as penitências e orações, preparou-se para a luta decisiva.
Um dia, estando o pai de cama, doente da gota, Luiz entrou no quarto, e em tom firme e resoluto, disse-lhe: “Senhor meu pai, entrego-me inteiramente às vossas mãos, mas protesto-vos que Deus me chamou para a Companhia de Jesus e que, opondo-vos a este desígnio divino, resistis à vontade de Deus”. Sem esperar resposta, saiu do quarto, deixando ao pai tempo para refletir. Este então começou a sentir escrúpulos, por causa da sua resistência; chorou largo tempo, entregando-se à dor por perder tão bom filho. Afinal mandou que lhe chamassem Luiz e disse-lhe: “Filho, sangra meu coração de dor pela tua resolução. És merecedor do meu amor. Em ti pusera as esperanças da família, mas vendo que é outra a vontade de Deus, vai, meu filho; segue a voz de Deus e recebe minhas bênçãos”.
Em ato solene, na presença dos parentes mais próximos, Luiz fez renúncia aos seus direitos de primogênito, para no dia seguinte se separar da família e dos pais. Para estes, foi um dia de grande dor. Luiz seguiu para Roma, onde se hospedou em casa de um seu tio, Scipião Gonzaga. Chegara afinal, o dia desejado, que lhe abriu as portas do convento. Luiz contava dezessete anos, quando foi aceito como noviço da Companhia de Jesus. Modelo de virtude, que fora no mundo, muito mais o era no convento. Desejoso de regular a vida pelas obrigações da vida comum, pediu aos Superiores não usassem com ele de nenhuma consideração, querendo ser tratado como um dos últimos da casa.
De acordo com o espírito religioso, reconhecia na obediência o fundamento de toda a virtude. “Durante todo o tempo que com ele vivia, diz o cardeal São Belarmino, nunca lhe ouvi proferir uma palavra de queixa ou uma observação contra as ordens dos Superiores”.
Para acompanhar o mestre do noviciado, cuja saúde bastante alterada reclamava mudança de clima, Luiz mudou-se, em 1586, para Nápoles, onde permaneceu apenas um ano, visto que sua constituição debilitada também não se dava com o clima daquela cidade.
Em 23 de novembro de 1587, tendo completado o noviciado, fez os votos em Roma, para depois continuar os estudos de metafísica e teologia. Em todo esse tempo de noviciado, como depois, Luiz deu belíssimo exemplo na prática das virtudes, que transformam o jovem em Anjo. Sem dar o menor sinal de ostentação, o exterior traduzia-lhe a modéstia a humildade, a caridade e movia à devoção a quantos o viam.
Pela morte de D. Fernando, surgiram graves desavenças entre Rodolfo e Vicente Gonzaga, este seu parente e duque de Mantua.
As divergências assumiram proporções tais, que era de recear-se um desfecho desastroso. Nessa emergência, a mãe de Vicente pediu aos Superiores de Luiz, consentissem que este servisse de árbitro entre os dois contendores. Luiz com o consentimento dos Superiores, pôs-se a caminho para Castiglione. Recebido por todos quase em triunfo, foi, em seguida, tão feliz nas negociações, que só com uma palavra sua restabeleceu-se a paz e harmonia.
O ano de 1591 começou com os presságios funestos de grande carestia. Faltando o pão, os camponeses fugiram para Roma. A aglomeração de tanta gente originou uma doença contagiosa que, aliada à fome, semeou a desolação e a morte. Os religiosos da Companhia de Jesus tudo fizeram para aliviar a triste sorte dos pobres doentes. Nas ruas, nas praças, nos hospitais, viam-se os filhos de Santo Inácio socorrer os miseráveis, com sua esmola e assistência.
Luiz Gonzaga, entre eles, era dos primeiros e mais dedicados. Ia, de casa em casa, pedir esmola aos ricos para os pobres. Não satisfeito com isso, pediu aos Superiores licença para diretamente acudir às necessidades dos empestados e prestar-lhes serviços nos hospitais. Obtida a licença, a dedicação e caridade do jovem não tiveram mais limites. A fraca constituição de Luiz não resistiu às grandes fadigas e esforços verdadeiramente sobre-humanos, que fazia no serviço hospitalar.
Por divina revelação, conheceu que a morte estava próxima. Com paciência Angélica suportou os graves incômodos do mal, que o tinha acometido. Remédios amargos que lhe davam, conservava-os mais tempo na boca, para mortificar o paladar. Tendo alguém instado com ele, que pedisse saúde e a prolongação da vida, respondeu-lhe: “É melhor que eu morra”. A morte não podia amedrontar o angélico jovem.
Quando soube que tinha chegado a hora de preparar-se para a última viagem, exclamou com emoções de alegria: “Eu me alegrei do que me foi dito: à casa do Senhor iremos” (Sl 121). Durante os últimos três dias, segurava constantemente o crucifixo e o terço. De vez em quando beijava a imagem de Jesus, e os olhos se lhe enchiam de lágrimas de amor. No rosto se lhe via estampada uma paz celestial – reflexo de sua alma pura e cândida.
Oito dias depois da festa do Corpo de Deus em 21 de junho de 1591, Luiz Gonzaga entregou a alma ao Criador. As últimas palavras que disse, foram invocações dos nomes de Jesus e Maria. Treze anos depois de sua morte, vivendo ainda a mãe, foi o nome de Luiz de Gonzaga inscrito no catálogo dos beatos, sendo a canonização celebrada em 1726, pelo Papa Benedito XIII.